O DESPERTAR DA PRIMAVERA


Peça
O DESPERTAR DA PRIMAVERA
Frank Wedekind
Adaptação: Luka Severo

VOZ EM OFF:  O jovem é um sujeito com valores, comportamentos, visões de mundo, interesses e necessidades singulares. Ser Jovem é estar imerso em uma sociedade com processos transitórios, a partir de uma NOVA conjuntura familiar, política e social estabelecida. É, portanto, estar em meio a conceitos e formas amplas e diversas de leitura de mundo. Assim, buscando seu lugar na sociedade, insere-se na mesma modifica-a e deixa-se ser modificado de acordo com o que acredita enquanto ser social. Este trabalho fala sobre o que vem antes de tudo isso, quando o jovem começa a se perceber no mundo. Suas dúvidas e desejos fazem com que muitas vezes estes não sejam compreendidos.

(...) a luz se abre. Uma menina com uma cadeira terminando de se vestir. Música 1 - Mama me explica. Depois a mãe chega.

MÃE: Wendla!!!
WENDLA (se achando linda): Mamãe...
MÃE: Deus do céu! Mas como é que você pode estar nesta roupa de jardim de infância? Meninas crescidas não podem sair por ai desfilando vestidas deste jeito.
WENDLA: Ai, mamãe por favor, me deixe usar essa roupa. Eu adoro essa roupa ela me faz sentir como se eu fosse uma deusa.
MÃE: Mas você já está crescendo e chega desse assunto! Você me faz esquecer a boa notícia, Wendla, na noite passada, finalmente, a cegonha visitou a sua irmã. Trouxe outra menininha para ela (coloca a filha no colo).
WENDLA: Mamãe, eu quero muito visitar as duas.
MÃE: Muito bem, vista-se direito. Vá colocar um chapéu! (a menina sai do colo da mãe).
WENDLA: Mamãe, não fica zangada, por favor. Mas é que eu sou tia pela segunda vez agora e eu não faço ideia de como... como acontece...

(...) A mãe fica nervosa.

WENDLA: Mamãe, por favor! Eu fico com vergonha até de perguntar, mas enfim, pra quem eu posso perguntar se não para senhora.
MÃE: Como é que você pode imaginar que eu tenha uma resposta.
WENDLA: Como é que a senhora pode imaginar que eu ainda acredito em cegonha?
MÃE: Honestamente, não sei o que foi que fiz para merecer esse tipo de conversa! Ainda mais num dia como o de hoje, vamos vá colocar um chapéu e vá visitar sua irmã, vá vá vá.
WENDLA: Mãe, se eu sair correndo e perguntar para o  leiteiro, lá na rua? (a mãe fica tensa) Ele acabou de chegar.
MÃE: Está bem, está bem, eu vou lhe explicar, mas não hoje, amanhã ou depois de amanhã.
WENDLA: Hoje, mamãe.

MÃE: Eu não posso.
WENDLA: Mamãe.
MÃE: Você me deixa louca.
WENDLA: Porquê? Eu me ajoelho aos seus pés, eu ponho a cabeça no seu colo e você pode falar como se eu nem estivesse aqui. Por favor!
MÃE (tensa): Está bem, está bem. Eu vou lhe explicar... tudo.

(...) Wendla coloca a cabeça no colo da mãe que cobre seus olhos com o avental. 

MÃE (com vergonha): Para que uma mulher gere um filho é... está m ouvindo bem?
WENDLA: Sim, mamãe...
MÃE: para que uma mulher tenha um filho, ela precisa... ela precisa... ela precisa amar seu marido. Amá-lo como só ela pode amar a ele, so-men-te a e-le. Amá-lo com todo seu... coração, pronto, Wendla, agora você já sabe tudo.
WENDLA: tudo?
MÃE: Tudo! é a pura verdade. (Sai correndo, morta de vergonha).
WENDLA: Mamãe!

(...) Música 2 – Mama me explica Reprise. Todas os meninos, enquanto elas cantam os meninos vão entrando e se organizando como se estivessem uma sala de aula. O professor de matemática entra logo em seguida.

PROFESSOR (batendo com uma régua na cabeça de um aluno): Revisando...
ALUNO 1: Regra de três simples é um processo prático para resolver problemas que envolvam quatro valores dos quais conhecemos três deles.
PROFESSOR (apontando para outro aluno): Continue...
ALUNO 2: Devemos, portanto, determinar um valor a partir dos três já conhecidos.
PROFESSOR (apontando para outro aluno): Você...
ALUNO 3: Primeiro devemos construir uma tabela, agrupando as grandezas da mesma espécie em colunas e mantendo na mesma linha as grandezas de espécies diferentes em correspondência.
PROFESSOR (apontando para outro aluno): Continue, senhor Mechior.

(...) ele está dormindo. O professor o acorda. Ele se levanta.

STIFEL: Senhor...
PROFESSOR: Continue, por favor.
MECHIOR: Devemos conjugar corretamente os verbos para poder estar de acordo com a norma culta.
PROFESSOR: Conjugar os verbos? O senhor faz ideia do que está falando?
MORITZ: Com sua licença, professor.
PROFESSOR: Sim...
MORITZ: Eu posso explicar, senhor...
PROFESSOR: Não estamos aqui para ficar passando a mão na cabeça de quem não estuda corretamente as coisas, o rapaz errou.
MORITZ: Sim, mas é um erro compreensível senhor. Se conjugarmos corretamente os verbos poderemos compreender o que os problemas matemáticos pedem, senhor.
PROFESSOR: Estamos em uma aula de matemática.

MORITZ: O senhor está sugerindo que não há lugar para interdisciplinaridade, então... senhor?
PROFESSOR: Eu não estou sugerindo, eu estou afirmando que seu colega cometeu um erro, e eu estou pedindo, não, eu estou ordenando que o senhor o corrija e continue a partir dai. Fui claro?
MORITIZ:  Sim, professor.

(...) Música 3 – Tudo que é sagrado.

PROFESSOR: Muito bem, senhores... respondam as questões da página 163, para me entregar até o sinal bater.
MECHIOR: Obrigado...
MORITIZ: Não foi nada.
MECHIOR: Mas foi muito chato para você. É que eu não consegui dormir a noite toda, na verdade eu recebi a visita de um fantasma horrível, assustador.
MORITZ: Você quer dizer, um sonho?
MECHIOR: É... um pesadelo, eram pernas de mulher vestidas com umas meias azuis, subindo num palco de um teatro.
MORITZ: ah... esse tipo de sonho.
MECHIOR: É... você já sofreu com essas visões assim... chocantes?
MORITZ: É claro que sim, todos já sofremos... já sonhamos com primas, professoras...
MECHIOR: Porque eu tenho que ter essa fixação com pernas de mulher... porque estes sonhos estão me perseguindo e não me deixando dormir direito, eu me acordo todo...
PROFESSOR: Mechior, creio não preciso lembra-lo, que de todos os alunos, o senhor é o único que menos está em condições de tomar liberdades. E este é o meu ultimo aviso.

(...) Musica 4 - Merda de Vida.

PROFESSOR: Entreguem o seus trabalhos, peguem seus pertences e saiam... nos encontramos na próxima aula, segunda-feira.

(...) Meninas entram correndo e rindo.

INA: ai, a saia, maravilhosa, tem um corpete todo rendado e um laço de seda nas costas
THEA: Wendla, o que você vai vestir no casamento da Greta?
WENDLA: Mamãe disse que nós não podemos ir.   
MARTHA: Não!
MARTHA: O casamento da greta!
INA: Só porque ela vai casa com aquele homem pobre?
WENDLA: Ela achou um pouco inadequado.   
THEA: Mas estão decorando a igreja toda com orquídeas.
WENDLA: Mamãe disse que não.
 THEA: Tomara que a sua mãe aprove o meu quando for a minha vez.
  WENDLA: Ai ela vai aprovar.
INA: Ai, e o meu!
MARTHA: E o meu!
THEA: E o meu também!
  WENDLA: Bem, nós todas sabemos com quem a Thea quer casar.
THEA: Mechior...
TODAS: Gabor!!!
THEA: E quem, não quer?
MARTHA: Até que ele é bonito!
THEA: Bonito? Ele é maravilhoso!
INA: Mas não tão maravilhoso como aquele que está sempre dormindo... Moritz.
MARTA E WENDLA: Moritz Stiefel?
THEA: Como é que você pode comparar os dois? O Machior, ele é tão... radical. Sabe o que estão dizendo por ai?
TODAS (correm para perto dela para saber o que é): O que?
THEA: Ele não acredita em nada. Nem em Deus! Nem no céu!
MARTHA: E dizem que ele é o melhor aluno em tudo...

(...) Musica 5 – Meu vício.

WENDLA – Melchior?  
MELCHIOR - Wendla? É você? O que é que você está fazendo sozinha, aqui na floresta? Se eu nçao te conhecesse, eu iria achar que você era uma ninfa, caída de uma arvore.
WENDLA – Mamãe está fazendo licor e eu vim procurar umas ervas pra ela. E você?
MELCHIOR: Eu, tô aqui, no meu lugar favorito. Meu lugar privado pra pensar.
WENDLA: Ah, desculpa (vai saindo)
MELCHIOR: Não, não, por favor. Então, o quais são as novidades?
WENDLA: Bem, hoje de manhã foi maravilhoso. O nosso grupo da igreja trouxe cestas com alimentos e roupas pros pobres.
MELCHIOR: Eu me lembro quando a gente fazia isso. Juntos.
WENDLA: Você precisava ver o rosto deles, Melchior, como nós alegramos o dia deles.  
MELCHIOR (como se quisesse beija-la) – Eu imagino. (ela sai de perto dele).  Wendla Bergman. Ingraçado, eu te conheço desde criança e nunca tínhamos conversado assim, sozinhos
WENDLA – Tivemos tão poucas oportunidades. Agora estamos mais velhos.  
MELCHIOR – Mais experientes. Com outros pensamentos. Não é maravilhoso?
WENDLA - Que horas são?
MELCHIOR – Quase quatro. Tem que chegar em casa que horas?
WENDLA - Pensei que fosse mais tarde. Eu fiquei deitada na margem do rio não sei quanto tempo. Tive um sonho tão - o tempo voou. Fiquei com medo que já fosse de noite.
MELCHIOR – Então você pode ficar sentada aqui mais um pouco? Olha quando você enconsta nesse carvalho e olha para o céu você começa a pensar em coisa hipníticas.
WENDLA - Eu tenho que chegar em casa antes das cinco.
MELCHIOR: Mas quando você deita aqui, dá uma paz tão estranha. Tão maravilhosa.
WENDLA: Bom, então só um pouquinho.

(...) Musica 6 – O corpo quer falar.

WENDLA: O sol está se pondo, Melchior, eu preciso mesmo ir.
MELCHIOR - Eu vou com você. Eu te levo até a ponte.

(...) Os dois saem. Meninas entram correndo e rindo.

INA: Ganhei! (Abraça Thea).
THEA: Não, você roubou. (Risos de todas. Thea vai arrumar o cabelo de Martha). Martha, cuidado sua trança está soltando.
MARTHA: Não!
INA: Solta Martha, não é chato pra você dia e noite?  Você não solta o cabelo nem corta.
WENDLA: Amanhã eu vou trazer uma tesoura. 
MARTHA: Não, Wendla, pelo amor de Deus! Papai já me dá surra de mais.

(...) todas olham para MARTHA.

WENDLA: É mesmo?
MARTHA: Não, é... claro que não... bobagem.

THEA: Martha... Martha, confia na gente, nós somos suas amigas.
MARTHA: Quando eu não faço o que ele quer...
THEA: O que?
MARTHA: Algumas noites, o papai pega o cinto.
INA: Mas onde está sua mãe?
MÃE: Martha! Nós temos regras nessa casa, seu pai não pode ser desobedecido.
MARTHA: Uma noite eu corri... “Vai sair pela porta? Muito bem... que bonito!!! É ali mesmo que você vai passar a noite lá fora, na rua!”
MARTHA: Tava muito frio.
INA: Meu Deus.
WENDLA: Ele te bate com um cinto?
MARTHA: Com qualquer coisa.
WENDLA: Cinto com fivela?
MARTHA (de costas para o público, mostrando as marcas para as meninas): Bem aqui.
INA: Meus Deus!
WENDLA: Martha, estas marcas são horríveis.
THEA: Nós temos que contar isso para alguém.
MARTHA: Não!
THEA: Mas Marta, é preciso.
MARTHA: Ele vai me expulsar de vez.
THEA: Você quis dizer como aconteceu com a Ilse?
WENDLA: Lembram dela?
THEA: Mesmo assim...
MARTHA: Olha só, vocês lembram o que aconteceu com a Ilse, ela tá vivendo sei lá onde, sei lá com quem.
WENDLA: Se eu pudesse eu ficava em seu lugar.
INA: Martha, não fica assim, meu tio, Clauxus disse que se você não dá disciplina a um filho, é porque você não gosta dele.
MARTHA: Deve ser.
THEA: Quando eu tiver filho, quando eu tiver filhos, se for meninos eles vão poder usar cor de rosa se eles quiserem.
INA: E as meninas vão poder usar vestidos curtos. E as meias pretas de seda... sempre seda.
MÃE VOZ EM OFF: Martha, hora de ir pra cama. Vem Martha. Marta, querida, coloque aquela camisola linda que seu pai comprou. Ele gosta. Não se atrase, ele não suporta esperar.    

(...) Musica 5 – Um escuro sem fim.

ILSE ENTRA

ILSE – Moritz!
MORITZ - Ilse?
ILSE – Você perdeu alguma coisa?
MORITZ – Porque você me assustou?
ILSE – O que você está procurando?
MORITZ – Nem eu mesmo sei o que é. Adoraria saber.
ILSE – Então porque procura?
MORITZ – Não sei. Minha cabeça está confusa. Onde é que você andou metida?
ILSE – Sabe aquela casa onde moram os pintores? Tudo que eles querem fazer é tirar a minha roupa e me pintar... outro dia bebemos tanto que eu fiquei inconsciente, deitada no chão.
MORITZ – E você acha que isso é legal?
ILSE – Mas e você? Ainda está na escola?
MORITZ – Esse semestre é o ultimo.
ILSE – Já?
MORITZ – Já.
ILSE – Como a vida passa depressa. Você lembra quando a gente corrria em frente a minha casa, brincando de pirata? A Wendla, o Melchior, você, eu... a vida passa tão rápido. Nos proporciona tantos momentos lindos. Você não acha? Cohecemos tantas pessoas, aprendemos tanta coisa.
MORITZ – Não sei. Acho que eu vou indo, Ilse.  
ILSE – Espera. Vem caminhando até minha casa comigo.  
MORITZ – E?
ILSE – E a gente procura aquels machadinhas e vamos brincar nós dois como nos velhos tempos.  
MORITZ – Era uma época boa, Ilse. Brincar de índio era bom. Eu bem que gostaria.
ILSE – então porque não vem?
MORITZ – Tenho muita coisa para fazer. E uma decisão tomar.
ILSE – Algumas decisões não permitem que voltemos atrás, Moritz. Venha comigo.  
MORITZ – Boa noite, Ilse. (Vai saindo)
ILSE – Boa noite? Venha comigo. Converse mais um pouco. Posso lhe ajudar se quiser.  
MORITZ – Não posso. Não tem mais jeito.
ILSE – Sempre tem. Mas quando você finalmente perceber vai ver que está jogando toda sua vida em uma lata de lixo.
(...) sai.
MORITZ - Ilse? Tudo que eu precisava era dizer sim. Ilse!!! E agora? Eu só precisava dizer sim para ela e tudo estaria resolvido. Todos os meus problemas estavam resolvidos. A dez minutos dava para ver todo o horizonte... agora so a penumbra.

(...) Musica final. A escolher.

Fim!

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