O REINO DA PEDRA ENCANTADA




Autor: Ênio Novaes

Contam que há muito tempo
Uma historia de amargar
Se deu no município
Que agora eu vim morar
Um tal de João com Maria
Fez tudo pra casar

Era um homem estudioso
Também muito inteligente
Pra realizar o seu sonho
Enganou a muita gente
Usando uma antiga lenda
De um Rei morto morto-vivente

Contou que num sonho
Apareceu como miragem
Mostrando El-Rei
O trajeto e a viagem
Que levaria ao Reino
Da bonança da vantagem

Foi bastante convincente
Provas logo arranjou
Duas pedras da brilhante
Que num lago encontrou
Mostrando pr’aquela gente
Que com fé acreditou.

Não demorou conseguir
Seguidores por seu plano
Espalhou pelo Sertão
Pondo fim ao desengano
Prometendo a vida eterna
E saúde para o insano

Pra preparar o reinado
Arranjou muita riqueza
Dinheiro, cavalo e gado
Emprestavam sem fineza
Esperando ter um dobro
Os fiéis da realeza

Estava no sagrado código
O casório com Maria
Aproveitou e ensejou
Assim o pai satisfaria
Sendo daquela maneira
O Rei desencantaria

O lugar estava pronto
O reinado improvisado
Tinha alta dos sacrifícios
Estava tudo organizado
Se soubesse a natureza
Não teria auxiliado

Era grande o monumento
Com trinta metros de altura
O seu brilho reluzia
Dava o sol beleza pura
Impressionado o sertanejo
Esquecia a amargura

Era ali que acontecia
A mais triste atrocidade
Embebedavam os fies
Para a hora da verdade
Sacrificar suas vidas
Pra provar a lealdade

Tomavam uma mistura
De jurema e manacá
Durante os rituais
E num auge praticar
Atos libidinosos
Depois da noiva casar

Era o Rei e autoridade
Responsável da dispensa
Passando a noite de núpcias
Como a nova pra sentença
Pra depois, no outro dia
Ter o noivo a licença.

Quem não compartilhava
Daquela estranha crença
Temendo as suas vidas
E não vendo recompensa
Abominou o reinado
Pressentiu aquela ofensa

Prá confirmar a historia
O vaqueiro José Gomes
Levado pelo seu tio
Matou com olhos a fome
E viu lá toda desgraça
Que um coração consome

Viu os familiares do Rei
Que também foram discípulos
Dentro daquele Reinado
Todos dispunham de títulos
Rainha, Rei, Sacerdotes
Encenaram seus capítulos

Aumentava o fanatismo
Quanto mais crescia a seita
Enxergando “seu” vigário
Organizou a desfeita
Convenceu o João Antonio
Abandonar a empreita.

Para engano do vigário
Se fingiu de convencido
Nomeou outro pro cargo
E depois de ter perdido
Prosseguiram o seu plano
Do reinado prometido.

Aproveitou o refugio
Pra pregar os mandamentos
Espelhando no Sertão
Que chegava o momento
Do Rei desencantar
Como fez o juramento

Com olhos aboticados
Espantado pelas falas
As promessas de João
Logo enchiam as salas
E o matuto convencido
Corria fazer as malas
A cada dia crescia
Era grande a procissão
João Antonio conduzia
Pro lugar da adoração
Onde esperavam a volta
Do Rei D. Sebastião

Era um lugar bonito
Escolhido antecipado
Com duas torres de pedra
Pra ser o lugar sagrado
Agradava bem aos olhos
De quem viveu desenganado

Mas, desceu Zé Gomes a serra
A procura do patrão
Contou-lhe os pormenores
Do Rei D. Sebastião
E morria muita gente
Pela sua devoção.

Quase sem fala contou
Que um dito João Ferreira
Irmão de João Antonio
Depois de uma bebedeira
Disse que estava triste
Com aquela fé traiçoeira

E continuou a gritar
Causando um grande escândalo
Provocou um alvoroço
Encurralou todos num canto
Pois deviam lavar de sangue
As torres do desencanto.

Foi naquele momento com medo
De não vir o tal reinado
Que se atiravam nas pedras
Ao suicídio provocando
Outros mais temerosos
foram então sacrificados

muita gente ali morreu
cinqüenta e três no total
junto com aquela gente
também teve animal
sacrificado na pedra
por ordem sacerdotal

sabendo de tal noticia
um valente comissário
um tal Manoel pereira
conseguiu o itinerário
juntou seus companheiros
pra combater o temerário

embaixo dos umbuzeiros
junto ao pé da serra
confrontaram as duas forças
em uma verdadeira guerra
mais sangue se derramou
tombaram muitos na terra.

Depois de muitas pelejas
O comissário bem armado
Começando na vantagem
Enfraqueceu o outro lado
Abatendo quem insistia
Com a historia do reinado

Morreram dos dois lados
Isso ninguém disfarça
Mas, desfeitas aquela lenda
Acabaram com a farsa
Que usavam de inocentes
Pondo todos na desgraça

Para os que não tiveram
Tempo para extrema-unção
Foi, depois o “seu” vigário
E rezou muita oração
Pras almas que ali de foram
Esperando a salvação

Contei o que contaram
E não quero honorário
Se tiver alguma cisma
Siga o meu itinerário
Pegue a trilha de Belmonte
Se puder diga o contrário.

FIM


Arquivo original disponível no Memorial da Pedra do Reino em São José do Belmonte - PE

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