Professor substituto
Cena 1
O
professor entra na escola de moto. Estaciona. Desce. Para em frente à entrada e
suspira ansioso. Entra na escola.
Cena 2
Câmera
mostra as costas da cadeira. O diretor está de costa na sala. O professor chega,
bate na porta e se apresenta.
PROFESSOR:
Bom
dia! Fui mandado pela secretaria de Educação para substituir o professor
Rodrigues.
(...)
o diretor vira a cadeira com cara de poucos amigos.
DIRETOR:
Eu
sei quem você é. Sente-se.
(...)
o professor senta-se e entrega a carta de recomendação.
DIRETOR:
Vejo
que tem boas recomendações. Só não entendo porque mandaram você para cá.
PROFESSOR:
Como assim?
DIRETOR:
Filho, você já olhou onde estamos? Esses delinquentes,
não ficam em nenhuma escola e já já vamos manda-los daqui também.
PROFESSOR:
Entendo. Bem, eu tenho muitos projetos para
realizar com eles. Se o senhor olhar no final da página...
DIRETOR:
Você não me escutou? Se você conseguir fazer
com que eles fiquem quietos, calados e não atrapalharem as outras aulas já está
de bom tamanho.
(...)
Virando as costas, sentado na cadeira
-
Tenha uma boa aula.
(...)
o professor vai saindo
DIRETOR:
Ah, só mais uma coisa. A sua moto está no
seguro?
PROFESSOR:
Não,
porque?
(...)
O Diretor vira as costas para o professor que vai saindo da sala.
Cena 3
O
professor anda até a sala. A câmera mostra o olhar dele. A porta se abre. Os
alunos estão na maior algazarra. O professor, parado na porta faz um pigarro na
garganta. Os alunos se calam, olham o professor e começam a se sentar. O
professor anda até o birô. Câmera na altura do rosto dos alunos mostrando o
percurso do professor. O professor coloca as coisas no birô e começa a falar.
PROFESSOR:
Bom
dia! Eu sou o professor Lima...
ALUNO:
Nós sabemos quem você é.
PROFESSOR:
Desculpe?
ALUNO:
É
isso mesmo, mais uma babá que chega aqui achando que sabe de tudo e que acha
que vai mudar o nosso futuro.
ALUNO:
Então,
é melhor o senhor sentar nessa cadeira, fingir que está trabalhando e deixar a
gente aqui, fingindo que está dando a mínima para você.
PROFESSOR:
Eu
só queria...
ALUNO:
Qualé professor, nós estamos tentando ser
educados, mas se o senhor não quer, nós podemos fazer o senhor desistir por
mau.
ALUNO:
Ou não te contaram que o você é o terceiro
essa semana?
(...)
todos Riem. Som de sino.
PROFESOR:
Nós
podemos tentar fazer diferente, não acham?
ALUNO:
Diferente? De que adianta ficarmos aqui
pensando em fazer diferente, quando lá fora, na rua, na vida, esse grupinho que
você vai chamar nas suas aula de sociedade nos trata sempre iguais?
ALUNO:
Olhe para a nossa cor, olhe para onde a gente
mora! A quem o você quer enganar. A quem você quer que a gente engane?
PROFESSOR:
Eu não quis dizer isso.
ALUNO:
Claro que não. Você vem em sua moto, dá sua
maldita aula e volta para casa que bem longe daqui. Mas nós? Temos que conviver
com tudo isso, todos os dias.
ALUNO:
Olhares maldosos, palavras que denigrem,
comentários que nos diminuem, notícias de jornais que nos tratam feito animais.
E você quer mesmo que eu me importe com o que você quis dizer?
PROFESSOR:
Por favor, sente-se na sua cadeira.
Cena 4
O
professor está fazendo a chamada. A câmera mostra uma visão geral da sala.
Professor:
Ana Maria.
ALUNO:
Está grávida.
PROFESSOR:
Luiz Fernando.
ALUNO:
O pai dele foi preso e ele foi morar em um
abrigo. Não vem mais para a escola.
PROFESSOR:
Maria Clara.
ALUNO:
Os pais se separaram e ela tem que cuidar dos
irmãos mais novos. Não vem mais.
(...)
o professor para de fazer a chamada e suspira desconsolado. Fica sem saber o
que fazer.
Cena 5
O
professor bate na porta da sala do diretor.
DIRETOR:
Olá, entre. Confesso que já estava achando
estranho a demora.
PROFESSOR:
Eu não entendi.
DIRETOR:
Ora, vamos. Não há mal nenhum em assumir que
não está aguentando a turma. Não se preocupe, logo logo virá outro para ocupar
o seu lugar.
PROFESSOR:
O que? Não! Está indo tudo bem. Na verdade eu
queria lhe pedir permissão para desenvolver uma atividade com eles.
Cena 6
Corta
para o diretor lendo um papel.
DIRETOR:
Um concurso de poesia?
Cena 7
Corta
para sala de aula
PROFESSOR:
Isso mesmo! As melhores poesias serão
publicadas em um livro que será distribuído em toda a cidade. Sei que cada um
de vocês tem muitas histórias para contar. Essas histórias estão presas dentro
de suas cabeças, revirando todos os dias e formando um buraco negro que os
consome lentamente. No primeiro dia de aula, vocês me disseram que os olhares,
os comentários e as notícias maldosas são feitas por pessoas que apenas ouviram
falar. Mas talvez, se vocês mesmos contarem essas histórias, com a visão de
quem as vive, essa impressão que eles têm de vocês mude.
ALUNO:
Ou podem nos ver como os bichinhos exóticos
que merecem o prêmio por estar se vitimando.
PROFESSOR:
Você nunca vai saber se não tentar.
ALUNO:
Na
verdade, nós nunca vamos tentar para saber.
PROFESSOR:
Tudo bem. Já chega! Eu cansei de tentar fazer
vocês entenderem que além desses muros ou dos limites do bairro, existe um
mundo a ser explorado. E que vocês precisam acordar para a vida, se mexer para
ser alguém. Por que quem não é visto não é lembrado.
(...)
o professor vai saindo. Um aluno se levanta e fala. A câmera mostra o professor
em primeiro plano e o aluno em segundo.
ALUNO:
E se nós aceitarmos.
(...)
o professor para.
-
como seria? Nós nunca fizemos isso e o diretor não iria permitir que ficássemos
aqui o dia todo para escrever.
PROFESSOR:
Não mesmo, mas se vocês pedirem.
Cena 8
Corta
para os alunos e o professor escrevendo e corrigindo.
Cena 9
Todos
estão na sala de aula. O diretor está com o livro que foi publicado com as histórias
dos alunos.
DIRETOR:
Vocês
estão de parabéns. Sinceramente eu não acreditava que conseguiriam. Aqui estão
as histórias de vida que farão com que toda a cidade enxergue o outro como
igual.
ALUNO:
Se
não fosse pelo incentivo do professor Lima, nós não teríamos conseguido.
ALUNO:
Ele nos mostrou que somos capazes de sermos
iguais a todo mundo. Só basta saber como mostrar a realidade.
ALUNO:
Saber respeitar as diferenças, e chegar junto
quando o outro precisar.
ALUNO:
Saber que sempre haverá uma solução para os
problemas, mesmo que demore a chegar.
PROFESSOR:
Eu fico muito feliz em saber que eu pude
ajudar enquanto estive aqui.
ALUNO:
Como é?
DIRETOR:
O senhor Rodrigues estará retornando no
próximo ano e dará continuidade ao trabalho iniciado...
ALUNO:
Isso não é justo! O senhor Rodrigues nunca se
importou com a gente, e quando vem um professor que realmente nos dá valor, nos
faz sentirmos como gente...
DIRETOR:
Bem, o senhor Lima é só um professor
substituto, e a licença do senhor Rodrigues acabou, isso é normal.
ALUNO:
Então, arrume um contrato para o professor
Lima. Do que adianta virmos aqui todos os dias e sermos os mesmos sempre?
PROFESSOR:
Gente, vocês sabiam que eu ia ficar
temporariamente.
ALUNO:
Mas o que não sabíamos, é que o senhor iria
nos fazer sentir gente, entende?
ALUNO:
Ou o professor Lima fica, ou todos sairmos
junto com ele.
TODOS OS ALUNOS:
É!
DIRETOR:
Por favor, se acalmem. Professor Lima, venha até a minha sala agora!
E vocês sentem-se e fiquem quietos.
Cena 10
Os
alunos estão na frente da sala do diretor esperando o senhor Lima sair. A porta
se abre. O professor sai.
ALUNO:
Então, professor? O que decidiram?
PROFESSOR:
Bem, vocês são pessoas fortes, destemidas. E
eu quero que usem essa determinação e essa força no ano que vem.
ALUNO:
Professor, você vai ficar com a gente no ano
que vem ou não?
PROFESSOR:
Não.
TODOS OS ALUNOS:
Ah droga (resmungam)
PROFESSOR:
Ficarei com vocês no ano que vem e no próximo.
TODOS OS ALUNOS:
(Gritos de felicidade e se abraçam.)
VOZ EM OFF:
“Ensinar não é transferir conhecimento, mas
criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Se a
educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade
muda.” (Paulo Freire)
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